A repetição é um dos conceitos mais fascinantes e complexos da psicanálise. Presente nas obras de Freud e desenvolvida por teóricos como Melanie Klein, ela se refere a um padrão inconsciente de comportamento que se manifesta repetidamente na vida de um indivíduo, muitas vezes causando sofrimento. Neste artigo, exploraremos o que é repetição na psicanálise, como ela se manifesta em problemas no relacionamento amoroso e sua importância no processo terapêutico.
Índice
O Que é Repetição na Psicanálise?
A repetição, na psicanálise, é um mecanismo inconsciente pelo qual o indivíduo revive situações, emoções ou padrões de comportamento que remetem a experiências passadas, especialmente da infância. Sigmund Freud, em seu texto “Além do Princípio do Prazer” (1920), descreveu a repetição como uma compulsão à repetição (Wiederholungszwang), onde o sujeito repete traumas ou conflitos não resolvidos, mesmo que isso cause sofrimento.
Essa repetição não é consciente, mas sim uma forma de o inconsciente tentar elaborar e resolver questões mal resolvidas. Por exemplo, uma pessoa que vive relacionamentos abusivos repetidamente pode estar revivendo dinâmicas familiares não resolvidas.
A Repetição e os Problemas no Relacionamento Amoroso
Um dos campos onde a repetição se manifesta de forma mais evidente e impactante é nos relacionamentos amorosos. Muitas pessoas se veem presas em ciclos repetitivos de relacionamentos que seguem padrões destrutivos, mesmo que conscientemente desejem algo diferente. Esses padrões, embora dolorosos, são uma tentativa do inconsciente de lidar com conflitos não resolvidos, muitas vezes originados na infância.
Alguns exemplos comuns desses padrões incluem:
- Escolher parceiros emocionalmente indisponíveis:
Muitas pessoas repetidamente se envolvem com parceiros que são distantes, evitativos ou incapazes de oferecer suporte emocional. Esse padrão pode estar ligado a uma dinâmica familiar na qual o cuidado e o afeto eram escassos ou inconsistentes. Ao escolher parceiros semelhantes, o indivíduo pode estar tentando reviver e, de alguma forma, “resolver” a falta emocional que experimentou na infância. - Reviver conflitos parecidos com os vivenciados na infância:
É comum que pessoas repitam, em seus relacionamentos amorosos, conflitos que remetem a experiências traumáticas ou difíceis da infância. Por exemplo, alguém que cresceu em um ambiente familiar marcado por brigas constantes pode, inconscientemente, buscar parceiros com quem revive esses mesmos conflitos. Essa repetição pode ser uma tentativa de dominar ou entender o que não foi resolvido no passado. - Repetir dinâmicas de abuso ou negligência:
Pessoas que vivenciaram abuso ou negligência na infância podem, na vida adulta, se envolver em relacionamentos onde essas dinâmicas se repetem. Isso ocorre porque o inconsciente tende a buscar o familiar, mesmo que seja doloroso, como uma forma de manter uma sensação de continuidade e controle. Além disso, a baixa autoestima e a culpa internalizada podem levar o indivíduo a acreditar que merece esse tipo de tratamento.
Freud e Melanie Klein destacaram que esses padrões estão profundamente ligados a experiências infantis. Para Freud, a repetição é uma manifestação da compulsão à repetição (Wiederholungszwang), um mecanismo inconsciente que leva o indivíduo a reviver situações traumáticas na tentativa de elaborá-las. Já Klein enfatizou o papel dos objetos internos e das fantasias inconscientes na formação desses padrões.
Por exemplo, uma criança que cresceu em um ambiente onde o amor era condicional — ou seja, onde o afeto dependia do cumprimento de certas expectativas — pode, na vida adulta, buscar parceiros que reproduzam essa dinâmica. Essa repetição não é consciente, mas sim uma tentativa de “consertar” o passado, de reviver a situação original com um desfecho diferente. No entanto, sem a devida consciência e elaboração, o ciclo tende a se perpetuar.
A terapia psicanalítica oferece um espaço para identificar e compreender esses padrões repetitivos. Ao trazer à tona as origens inconscientes desses comportamentos, o indivíduo pode começar a romper o ciclo e construir relacionamentos mais saudáveis e satisfatórios.
A Contribuição de Melanie Klein para o Conceito de Repetição
Melanie Klein, uma das principais psicanalistas pós-freudianas, trouxe contribuições fundamentais para a compreensão do conceito de repetição na psicanálise. Klein ampliou a visão de Freud ao relacionar a repetição não apenas a traumas ou eventos específicos, mas também às fantasias inconscientes e aos mecanismos de defesa que moldam a vida psíquica do indivíduo.
Para Klein, a repetição está intrinsecamente ligada à relação do indivíduo com seus objetos internos, que são representações psíquicas de figuras significativas, como os pais ou cuidadores. Esses objetos internos são formados a partir das primeiras experiências de vida e influenciam como o indivíduo se relaciona consigo mesmo e com os outros. Por exemplo, uma criança que vivenciou uma relação conflituosa com a mãe pode internalizar uma figura materna crítica, que continuará a influenciar suas relações na vida adulta.
Klein observou que, no contexto terapêutico, os pacientes tendem a repetir com o analista as mesmas dinâmicas emocionais que vivenciaram na infância. Esse fenômeno, conhecido como transferência, é uma manifestação clara da repetição. Na transferência, o paciente projeta no analista sentimentos, expectativas e conflitos que originalmente pertenciam a figuras importantes de seu passado. Por exemplo, um paciente pode enxergar no analista uma figura autoritária, revivendo assim a relação que tinha com um pai rígido.
A grande inovação de Klein foi demonstrar como a transferência pode ser utilizada como uma ferramenta terapêutica. Ao identificar e interpretar esses padrões repetitivos no setting analítico, o psicanalista ajuda o paciente a compreender as origens de seus conflitos e a elaborar novas formas de lidar com eles. Esse processo não apenas promove a cura, mas também permite que o indivíduo se liberte de padrões destrutivos que se repetem em sua vida.
Além disso, Klein destacou o papel dos mecanismos de defesa, como a identificação projetiva e a cisão, na manutenção dos padrões de repetição. Esses mecanismos, embora inicialmente tenham a função de proteger o ego de ansiedades intoleráveis, podem perpetuar ciclos de comportamento disfuncional. Por exemplo, uma pessoa que utiliza a cisão para dividir as pessoas em “boas” ou “más” pode repetir padrões de idealização e desvalorização em seus relacionamentos, dificultando a construção de vínculos saudáveis.
Em resumo, Melanie Klein ampliou a compreensão da repetição ao integrá-la ao contexto das relações objetais e dos mecanismos de defesa. Sua abordagem oferece uma visão profunda de como os padrões do passado continuam a influenciar o presente e como a terapia pode ser um espaço para transformar esses padrões em direção a uma vida mais consciente e equilibrada.
Como a Terapia Pode Ajudar a Romper a Repetição
A terapia psicanalítica é um espaço privilegiado para identificar e trabalhar os padrões de repetição. Através da análise, o paciente pode:
- Reconhecer os padrões repetitivos em sua vida.
- Compreender as origens desses padrões.
- Elaborar os conflitos inconscientes que os sustentam.
Por exemplo, ao perceber que escolhe parceiros que a fazem se sentir rejeitada, uma paciente pode, com a ajuda do analista, explorar como essa dinâmica está ligada à sua relação com os pais. Esse processo de insight e elaboração é fundamental para romper o ciclo da repetição.
Conclusão: A Repetição como Caminho para a Transformação
A repetição, embora muitas vezes cause sofrimento, é também uma oportunidade de transformação. Ao trazer à tona padrões inconscientes, a psicanálise oferece ferramentas para que o indivíduo possa compreender e modificar esses comportamentos. Em resumo, respondendo à pergunta sobre o que é repetição na psicanálise, prontamente podemos responder que a repetição é uma forma de reviver situações passadas em uma tentativa de elaborar traumas e questões que não encontraram simbolização adequada na psique.
Se você se identifica com padrões repetitivos em sua vida, especialmente em relacionamentos amorosos, a terapia pode ser um caminho para romper esses ciclos e encontrar maior equilíbrio emocional. Se você está em formação como psicanalista ou busca entender mais sobre como a repetição afeta sua vida, agende uma consulta com a psicanalista Andressa Cardoso. Através da terapia, você pode explorar esses padrões e encontrar caminhos para uma vida mais consciente e saudável. Clique aqui para saber mais!

Psicanalista kleiniana pelo Instituto Hauss-Berggasse, bióloga e mestre em Ciências.